Odete não morreu: por que a sobrevivência seria impossível

Recentemente, o final da novela “Vale Tudo” impressionou a todos: Odete não morreu. A novela mostrou a personagem Odete Roitman (Debora Bloch) levando um tiro no abdômen, passando um bom tempo aguardando a “retirada do corpo”, acordando no saco e sobrevivendo após uma remoção da bala, em um “centro cirúrgico artesanal”. Embora seja um arco dramático cativante para a TV, do ponto de vista da Medicina de Trauma, essa sequência de eventos beira o milagre — um milagre que a realidade do atendimento de emergência dificilmente permitiria. Entenda o porquê… Por que a sobrevivência de Odete nessas condições é praticamente impossível? 1. A Regra de Ouro do Trauma: Tempo é Essencial Um tiro no abdômen (trauma penetrante) não é um ferimento superficial. A cavidade abdominal contém uma região muito complexa: órgãos sólidos (fígado e baço), ocos (intestinos) e grandes vasos (aorta e cava). 2. O Perigo Oculto: A Tríade da Morte no Trauma Grave Além da hemorragia, pacientes com trauma grave e choque desenvolvem rapidamente um ciclo vicioso conhecido como a Tríade da Morte (ou Tríade Letal), que aumenta exponencialmente o risco de mortalidade. O que isso significa para Odete? Após um trauma grave, se ela tivesse sobrevivido por horas e, depois, fosse submetida a um procedimento artesanal (aumentando a exposição e a hipotermia), essa tríade estaria completamente instalada. A coagulopatia e a acidose fariam com que qualquer sangramento (interno ou do procedimento) fosse incontrolável, tornando o óbito inevitável. 3. O Fator Contaminação e a Sentença de Sepse Aqui está o maior erro médico-cirúrgico da cena: a “cirurgia artesanal” de retirada da bala. A história de Odete é divertida para a ficção, mas serve para reforçar a nossa prioridade no trauma: Nosso papel é garantir que nenhum paciente fique sequer perto das condições enfrentadas pela Odete da novela. O manejo do trauma não admite improviso e muito menos espera.
